quarta-feira, 31 de março de 2010

Garimpando pérolas

Garimpando ostras no alto mar da cultura nacional, encontrei esse vídeo de um jovem fazendo uma bela performance num Sarau em homenagem a Patativa do Assaré, no Sesc Ipiranga. Um adorável e jovial declamação, com um humor refinado, que demonstra a simplicidade do matuto e os excessos de cerimônias das pessoas do cidade grande.


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quarta-feira, 17 de março de 2010

Pérola da verve cearense

Bebe de cuia em cuia!

Conta-se que o município de Maranguape, a poucos quilômetros de Fortaleza, tradicional fabricante de aguardente, e também consumidor emérito, assediado por um caixeiro viajante de São Paulo, permitira, sem compromisso de compra e a título experimental, fosse instalado um moderno alambique com sua fábrica.
À noitinha, quando as atividades da destilaria tinha cessado, o renitente industrial comentara, desiludido, com o seu chefe de produção:
- Sabe de uma coisa, Manuel, eu acho que essa "novidade" não aprova bem... o gosto é ruim e a produção tão grande... não é verdade?
- Sim Senhô... - responde o serviçal - mas como quer vosmicê que renda mais, se cai de gota em gota e vosmicê  bebe de cuia em cuia?!...

(história extraída de SOLDON, Renato. Verve Cearense: de Quintino Cunha e outros. Rio de Janeiro, s.e, 1969)


Publicarei várias histórias pesquisadas sobre o bom humor do cearense. Elas fizeram parte de uma pesquisa sobre cultura popular no Ceará, com o intuito de instrumentalizar o turismo com material para a divulgação da cultura regional. Comecemos por Maranguape, um dos municípios mais conhecidos do Ceará, cidade de Chico Anísio, um entusiasta do seu desenvolvimento, acompanhe no video abaixo:
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sexta-feira, 12 de março de 2010

Um pensamento

Esses dias venho remexendo nos muitos materiais que acumulei nestes últimos 10 anos. São textos da graduação, poemas, pesquisas, apontamentos. Esse processo tem me levado a refletir o quanto eu deveria ter escrito mais, todavia, há a certeza que existe uma continuidade entre os anseios contidos naqueles textos e o desejo de escrever agora. Sinto-me necessitar dizer, ou melhor, escrever minhas impressões sobre as coisas que me cercam. É como se uma erupção de sentimentos e sensações irrompessem, com a viscosidade de uma larva jovem sobre uma crosta ressequida de frustrações objetiva: contas atrasadas, falta de espaço acadêmico, lutas primárias como manutenção do emprego degradante. Parece-me ser esse espaço e momento  propícios para cuidar de mim. Tenho inconscientemente  voltado para o meu jardim. E não o faço como alguns, como simples individualismo ou refúgio, faço como fez Epicuro, para  sentir-me mais livre. Tenho encontrado alento nas novas leituras, são roteiros, crônicas, romances, que me conectam a experiências que projetam realidades e sensibilidades mais apuradas que os formalismos conceituais dos textos acadêmicos lidos nestes últimos tempos. Faltam-lhe esperança, chama, incandescência, corrosividade, ou mesmo, o lirismo desconcertante da poesia, em que a realidade  é centrifugada pelo desejo do  bem e do belo. 

quarta-feira, 3 de março de 2010

Aqui prova da minha admiração pelo poeta, vejam que poucos estão olhando pra ele, eu estou encantado

História: um presente ausente

Transcrevo aqui um texto que produzi ainda nos primeiros semestres da graduação de história na Federal do Ceará. Importante registrar que não alterei nada, tem uma escrita ingênua e pertencente a um momento específico da minha formação, mas pra quem leu o texto como entendemos a cultura, verá uma linha contínua e suave de nossa preocupação com o homem comum, esse homem do dia-a-dia.

História: um presente ausente

Um João nos para numa praia qualquer da bela Fortaleza e pede-nos o que comer. Eternos desconfiados que somos por “conhecer nossa realidade”, pensamos ser mais um golpe. Inicialmente, ironizamos e até certo ponto o ignoramos, pois já estava a atrapalhar nossa cervejinha. Mas, como que tomados por um espírito humanista, sentimos a necessidade de ajudar aquele homem. Contou-nos que vinha do interior do Estado e estava com a família (mulher e filhos) a passar fome aqui na capital, enquanto aguardava uma ajuda do governo. Pedimos que sentasse, porém, como não poderia deixar de ser, nossa desconfiança ainda analisava seu discurso. No entanto, suas mãos cheias de calos nos fizeram parar. Como que positivistas, elegemos suas mãos documentos e elas falaram por si só. E mais, enquanto historiador social, vimos ali um excluído, um ser a-histórico, sem registro oficial, e se é algo, é um número nas estatísticas oficiais da fome. Precisamos fazer a história do João, não podemos deixá-lo sem registro, vamos garantir sua passagem pela história.
Caros colegas, depois de pensarmos em tudo isso, percebemos que João estava indiferente a nós, como se nossa interrogações (como estava vivendo? Como mantinha sua vida longe de sua terra?) somente confirmasse-me sua necessidade de si e sua família. Depois de comer um sanduíche e tomar seu refrigerante, que não lhe saciaram a fome, João partiu. Partiu deixando uma dúvida: como fazemos sua história? Pois, no presente, nada mais podemos fazer por ele. Então, vamos esperar passar do tempo para podermos torná-lo objeto histórico.
Não acreditamos ser possível nos colocarmos diante da discussão de como fazer história (João ou D. Pedro), sem antes pensarmos que história estamos nos propondo a fazer. Não nos deteremos aqui a discutir qual a metodologia mais aplicável, dos modismos da história nova e seus historiadores, das dúvidas de que “verdades”nos fala o passado, da história-ciência ou história disciplina. Gostaríamos de nadar contra a maré destes debates.
Mas antes de fazermos isso, precisamos trazer à tona uma postura comum a todas essas formas do fazer histórico – o distanciamento – que coloca o objeto de estudo no mínimo a vinte ou trinta anos de nós. O presente para esse conhecimento histórico não interessa, até porque o presente não é mais reflexo de um passado. O passado é a ferramenta de nosso trabalho, é mais fácil nos revoltamos com a seca de 1877 do que com a de 1998, com a violência da ditadura militar do que com as chacinas semanais e quantitativamente mais representativas de hoje. Pensando nisso, recordo o poema de Drummond que diz “o tempo é minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente”. Colegas, nossos olhos só vêem as costas da realidade. O presente importa, analisemo-lo também. Com isso, não quero que sejamos “autobiógrafos” de nossa geração. O presente nos pertence.
Há muito tempo existe uma discussão de como o historiador tem que lidar com seu presente. Deve estar engajados nos movimentos sociais, participar de partidos políticos, não ser essencialmente acadêmicos. Fala-se do profissional, do seu relacionamento pessoal com o presente, e nunca a sua produção historiográfica. Não é permitido trabalhar o dia-a-dia na historiografia. O caso de João pode ser historicizado: sua relação com a seca, o abandono do estado, seu êxodo, sua vida social rompida e seu drama mais complexo – a fome.
Colegas, tenhamos a clareza de não nos distanciarmos muito da nossa realidade, e registremos nosso presente, não esperemos somente por jornalistas, literatos e documentos oficiais e tantos outros. Sejamos também participantes da criação de nossas fontes. Deixemos registradas nossa apreensão e análise dos fatos. Não permitem que continuemos a ser meros explicitadores das possibilidades de um passado.
Voltemos a pensar na história de João ou de João na história. Ele necessita sim, não ser ignorado como sempre fizemos, precisa que saibamos que ele existe. Na verdade, João precisa de condições para viver melhor (trabalho, terra e justiça social). O mais são elucubrações de alguém que não sabe o que fazer com o seu presente. (um historiador qualquer).